21 de novembro de 2009

O Caso dos Exploradores de Caverna (No Brasil)




No meio jurídico existe um famoso relato fictício que parece ser mais que uma leitura obrigatória ao estudante de Direito em suas primeiras disciplinas. Passar pela faculdade sem ter conhecido o "caso dos exploradores de caverna" parece um vazio em seu curriculum acadêmico. É passagem corriqueira nas discussões tocantes à disciplina de "Introdução ao Estudo do Direito". Você precisa saber do que se trata, é uma cultura paralela incontestável e tida até como senso comum na área. É como falar em futebol e nunca ter ouvido comentários sobre a seleção de 1970 ou o caso do Ronaldo com os travecos no Rio... Bom, é mais ou menos isso mesmo! Vai do clássico ao polêmico...
A história relata ao longo de mais de vinte páginas a situação a que foram submetidos cinco exploradores de caverna que após a entrada em seu último desafio, assistem o bloqueio de sua única saída do local. Os familiares informaram as devidas pessoas da situação e a partir daí tem início uma série de fatos interessantes do ponto de vista analítico. Assim que foi estabelecido o contato com os exploradores, foi comunicado que estes não conseguiriam sair da situação em menos de 10 dias, tempo longo para a quantidade alimentos disponível. O que resultou em uma decisão - uma das pessoas presas no local deveria ser morta para servir de alimento aos demais. Passados os dias de angustia, quatro sobreviventes resistiram e para sua surpresa, apesar de relatarem a situação de extrema necessidade em que se encontravam, foram submetidos a um julgamento perante o Tribunal do Júri e condenados à pena de morte. Dessa forma recorreram a Suprema Corte (palco central da narrativa), onde houve um empate na votação do recurso em relação à pena imposta, com dois votos favoráveis a reforma da decisão e dois no sentido de que esta fosse mantida, além de uma abstenção. Sem mariores detalhes acerca do caso, já que ainda é de interesse que a história seja descoberta por quem venha a se interessar...
O fato é que o desenrolar dos votos, as argumentações, ponderações, demonstração de fraqueza, dúvidas, angústias, associadas ao desfile de grande saber jurídico nas palavras dos juristas são de grande riqueza. Sendo esta história, aqui resumida de uma forma assumidamente nos modelos de propaganda da "sessão da tarde" (plim plim), um dos textos fictícios mais lidos na história do Direito, pois coloca em choque bem jurídicos consagrados, correntes doutrinárias, convicções pessoais, o conceito de contrato social, posicionamentos filosóficos em um enredo que parece confunir sua cabeça a cada discurso lido. (Página 10... "É... Concordo com ele"; Página 14... "É louco..." Página 18... "Tenho que rever tudo"... Página 20... "Putz! Lascou"). No fim todos são perguntados sobre uma melhor solução para o caso. No entanto, o que interessa nesse momento é ter uma noçao do que seria isso no Brasil - para o nosso ordenamento.
Imaginemos que 5 nordestinos bêbados no meio da tonteira inventem de ir para a "Toca da Boa vista" na Bahia, a mais extensa caverna brasileira, e fiquem presos no local nas mesmas condições de resgate e alimentaão. O que aconteceria com eles aqui no Brasil? Nordestino é cabra macho, ia ser difícil convencer com essa papo de que um ia ter que ser comido para sobrevivência dos outros - se fosse o Ronaldo e os travecos, eu jé não sei...- mas, papo vai, papo vem e a coisa se desenha igual ao relato produzido em Havard. Qual a punição?
A República Federativa do Brasil em sua Constituição proclama em seu art. 5º a vida como Direito Fundamental. No Código Penal Pátrio o art. 121 prevê que homicídio é crime. Em uma análise matemática da coisa já estaria liquidado o problema: Matou-Morreu-Puniu. Isso não basta. Segundo a melhor doutrina, o fato além de ilicito precisa ser antiijurídico. Estamos diante de uma das "causas excludentes de ilicitude" presentes em nossa legislação criminal: o "estado de necessidade" (as outras são: a legítima defesa, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito), vem previsto no art. 23, I, e 24 do Código Penal. Para que se configure o estado de necessidade, a doutrina aponta como requisitos:
a) atualidade do perigo: um simples perigo eventual não legitima a aplicação da excludente da ilicitude;
b) Inevitabilidade do perigo: a situação deve estar de tal forma configurada que não admita outra do sujeito resguardar o bem jurídico sem violar direito alheio;
c) Que o perigo não tenha sido voluntariamente provocado pelo sujeito;
d) Razoabilidade da conduta do agente;

Enfim, no Brasil os acusados seriam absolvidos. Quando o direito à vida de duas pessoas entra em conflito sem que nenhuma tenha dado causa para que isso ocorresse e sem que haja outra maneira de se resolver a situação não há como a Carta Magna declarar o direito de uma pessoa a viver em detrimento da outra, sem violar o direito tutelado no art. 5° do seu próprio texto, sob pena de recair em explícita contradição. Sendo assim, em nosso país eles seriam manchete no Fantástico, Capa da Veja, entrevistados no Datena, mas ninguém seria preso. Acreditem: isso em nada tema ver com impunidade, nos países democráticos em geral essa seria a solução adotada. Trata-se da evolução de séculos de discussões para se chegar a esse ponto.quer saber? Com um pouco de sal, tudo cai bem...



Link para O CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNA, vale a pena conferir:

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